
Hoje eu tirei do armário aquele primeiro presente que você me deu.
Eu costumava deixá-lo escondido, longe de qualquer olhar que me exigisse alguma explicação de como tal item foi parar no meio das minhas coisas.
E sabe qual é a pior parte? É que ele não destoava nem um pouco da minha bagunça.
Entre os livros e quinquilharias que eu insisto em acumular, ainda que o espaço e o orçamento estejam sempre meio curtos.
No meio da confusão que é o meu gosto, o objeto não ficaria nem um pouco deslocado. Aliás, ele combinaria muito bem com os demais ocupantes das estantes e … comigo.
Assim como você combinava.
Mas eu nunca admitiria isso. Nenhuma das afirmações anteriores, inclusive. Não em voz alta.
Porque isso tornaria tudo real, Abriria espaço para você entrar no meu mundo. Com munição para derrubar os muros tão bem construídos.
Tornaria vulnerável um coração que sempre se orgulhou por nunca ter sido partido.
Deixaria alguém além de mim ocupar os espaços privados da minha mente. E me disporia a sofrer caso tudo desse errado.
Por isso, durante todo esse tempo, o presente e você ficaram guardados. No fundo da gaveta. A existência dos dois era algo que vivia num universo paralelo. Um em que somente acessar nas raras horas que compartilhamos.
Sinto muito por não ter aberto mais portas. Nunca soube receber visitas. Mas saiba que eu mostrei todos os cômodos possíveis à época.
Agora pode ser um pouco tarde, mas eu vou deixar, finalmente, seu presente à vista. Vou admitir que você existiu.
E, se algum dia passar por essas bandas, pode entrar para tomar um café. Alguns sentimentos não vão voltar, mas a porta estará aberta para visitas.